domingo, 8 de dezembro de 2013

Sociedade vertiginosa

As vertigens desta sociedade matam-me. Quando eu subo grandes alturas, sei que a náusea que sinto não é minha.
Este não subir com medo da queda mata-me. Esta não felicidade com medo da tristeza destrói-me.
Este mundo não luta com medo de perder. E gritam aos que escalam montanhas: 'Quanto mais alto, maior é a queda'.
Prefiro morrer feliz, nem que a minha felicidade tenha durado dez segundos, do que morrer triste, morrer apática, morrer me(r)drosa.
Prefiro morrer na batalha, do que ouvir os tristes inválidos gozarem da coragem dos outros.
Prefiro escalar a montanha, viver no cume.
Cair a meio.
Cair à chegada.
Voltar a subir.
Morrer de vez. Tentado.
Porque se algum dia não lutar, matem-me vocês então, que eu não sou pessoa de ser infeliz esperando.
E à medida que cresço junto dos que escalam tudo o que é alto e sobrevivem caindo e levantado-se, aprendo que só sinto a vertigem alheia se eu própria mo permitir. E a sociedade vertiginosa dá-me raiva suficiente para escalar com fé, cravar os pés na terra e a lança nas barreiras que a minha inimiga criou na mente dos que contra mim lutam, libertando-os.
Escalo na esperança de que esta sociedade vertiginosa um dia arrume o preconceito e suba ao esplendor da altura, sem sequer pensar na queda.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Um passarinho no coração

Era uma vez uma menina feliz que tinha um passarinho no coração.
O seu passarinho era artista.
Nas aulas de arte, a menina desenhava pessoas, mas a professora não gostava dos seus trabalhos, porque as pessoas que a menina desenhava eram desproporcionais.
O que a professora não percebia era que o pai tinha a cabeça demasiado grande porque era muito inteligente, a avó uma grande barriga para caber lá todo o seu coração e a mãe uma boca gigante porque era muito feliz.
A menina ficava aborrecida e passeava sozinha na escola à procura de alguém que achasse "normal", para o poder desenhar. Um dia, encontrou o rapaz perfeito.
O passarinho que tinha no coração começou a bater as asas tão rápido, que a menina teve medo que ele voasse do seu corpo. O passarinho tinha ficado contente porque encontrou ali a razão da sua arte. E sempre que via o menino, a menina e o seu passarinho riam e ficavam felizes.
O tempo passou, e a menina percebeu que o menino não tinha o coração tão grande como a avó, nem era tão inteligente como o pai e nunca ficava tão feliz como a mãe.
Então, a menina deixou de gostar do menino, mas o seu passarinho ainda voava lá dentro cada vez que o via.
A professora começou a gostar dos seus trabalhos porque o passarinho só desenhava o menino. Sempre o mesmo, com todas as proporções corretas.
O seu passarinho estava preso numa gaiola sem chave porque o que a professora achava bom eram as proporções do menino, que não era muito inteligente, nem muito simpático, nem muito feliz. E nem a inteligência do pai, nem o coração da avó, nem a felicidade da mãe o podiam salvar.
A menina andava sempre triste, porque gostava mais das pessoas que tinham uma cabeça, ou uma barriga ou uma boca grande e queria voltar a desenhá-las como antes.
Mas o seu passarinho nunca deixou de desenhar o menino e a menina sabia que ele estava preso para sempre numa gaiola sem chave.

domingo, 10 de novembro de 2013

A urgência do livro na mesa de cabeceira. Abraçá-lo no colo.
A urgência de um abraço quente, de uma chávena de café.
A urgência da manta nos pés e o cliché de um domingo chuvoso. Que hoje não o é, por acaso, mas há tempestades cá por dentro e às vezes não há chapéus de chuva que nos salvem.
E ouço as siren(e)s do Eddie ao longe, a chegar perto. E sei que se há sirenes que me salvem, são as dele. Grito fundo e sei que ele me ouve, do outro lado do mundo, sei que ele me salva, sei que ele me colhe, me planta.
Mas a urgência continua, as sirenes procuram incessantes por algo para curar, mas o vazio é a doença mais temível pois não há cura que o preencha.
Hoje o céu azul chorou lágrimas de esperança e cai-me o cliché aos pés e estou farta deste mundo de drama onde pensam que a vida é arte, mas ela é só puta. ups.
Esta adolescência revolta-me e o facto de hoje ter dito três vezes que o livro que estava a ler era 'dos anjos' e de me terem feito sentir vergonha disso idem.
Chateia-me (não, não me aborrece, chateia-me!) o preconceito de uns que tudo o que toda a gente gosta, ou que vende muito, é necessariamente mau e o preconceito dos outros de que tudo o que é igual é que presta. O mundo vai para lá desses limites concebidos para mentes pequeninas, minha gente. Porque o Crepúsculo é uma boa saga, está bem escrito e é de uma inteligência extrema alguém conseguir conceber um outro mundo daqueles e relatá-lo num livro. E... adivinhem? O CD que ouvi hoje dos Passenger, sem ser a música 'Let Her Go', porque alguém já a saturou, também é muito bom!
Ontem vi o Into the Wild pela última vez e...

Esperem aí que isto depois continua. O MEU IRMÃO BRUNO ACABOU DE CHEGAR, ASSIM DE SURPRESA COMO SEMPRE, ESTOU A VIVER O CLICHÉ DA FELICIDADE DA MINHA VIDA E VOU SÓ ALI TENTAR ACREDITAR QUE ELE ESTÁ MESMO SENTADO NO SOFÁ.
Mas isto continua, han

terça-feira, 5 de novembro de 2013

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A rocha no meio do mar

O guarda-chuva és tu. O escudo és tu. O chão és tu. O céu és tu. A rocha no meio do mar és tu. A sombra és tu. O sol és tu. A árvore. O baloiço. Abril és tu. Amor és tu.
Salvador.
A rocha onde me abrigo em tempestade, onde cansada durmo a tristeza. No meio do mar te encontro, no meio do mar me salvas. Em ti me proteges. A rocha no meio do mar és tu.
Podia, talvez,  fazer como (as) Pessoa(s) e guardar-te para um dia construir uma muralha. Mas quem sou eu para te levar do mar onde vives? Do mar onde te quebram, do mar que te faz. Quem sou eu?
Não sou Pessoa. Antes fosse.
Nado pela chuva gasta e abrigo-me em ti.
Luto feroz e em ti me escudo.
Caio cansada e desistente e em ti me suporto.
Morro e peco e perdoo e vivo em ti.
Refresco-me em ti.
Rio-me.
Liberto-me.
Amo-te.
Perco-me para encontrar nada mais que o inverno prometido num outono que levou o verão onde em ti nadei.
E agora, no meio da tempestade, em ti me abrigo.
A rocha no meio do mar.
Salvador.
Antes fosse Pessoa.



domingo, 6 de outubro de 2013

October 6th

Talvez um dia leias isto.

Parabéns.
Mais uma vez espero que sintas o quanto te quero bem, já que não to posso dizer.
Amo-te. Isso nunca muda, assim como as saudades que sinto tuas.
E soubesses tu o quanto a minha cabeça deseja o teu peito, virias a correr.
Onde estás ?
Estou farta do cansaço que este paradoxo do meu amor e da tristeza de não te ter me traz.
As saudades quebram-me e a falta de ti leva-me também e eu sei que o que me cai são as forças e eu caio com elas, porque eu já não sou a coragem, nem a força que me fizeste, o cubo de gelo que deixaste cá dentro cai agora no chão e parte-se e tu não estás aqui. E eu já não posso mais, quero procurar o calor que esperei de ti, tantas vezes chegado num outono já gasto e esquisito, tão escuro quanto a estrada que no mundo criaste, que eu caminho cega e sem apoio e eu estou cansada. Porque o céu é bem mais para lá de ti e eu não posso acreditar num sol que não brilha.
Parabéns. Resto de dia feliz, resto de vida feliz.

Sempre tua.

domingo, 29 de setembro de 2013

Sempres

A nossa vida é medida por sempres.
Um sempre acontece quando uma pessoa que prometeu ficar connosco para a eternidade, se vai embora. Passou um sempre.
Por isso é que há pessoas tão novas em anos que parecem mais velhas, pois sim, são velhas em sempres, abandonadas e despedaçadas tantas vezes. E há, também, pessoas tão velhas em anos que parecem tão novas, porque as eternidades prometidas estão a ser cumpridas. E os sempres ficam e não passam, assim com a alegria da juventude.
Crescemos mais um bocadinho a cada sempre. Vivemos um bocadinho durante cada eternidade, choramos mais um bocadinho ao vê-la desfeita, sorrimos mais um bocadinho no raro momento em que ela volta, às vezes, para partir de novo.
Não abrimos champagne à hora da despedida, apenas ligamos a chorar a um amigo cuja eternidade ainda lhe cobre o ombro onde pousamos a cabeça. Não cantamos os parabéns, nem desejamos "muitos sempres de vida", porque a eternidade quer-se seguida, quer-se só uma.
Mas às vezes rimo-nos com um ou outro sempre, "Que ridículo, o cabrão disse-me que íamos juntos para o lar da terceira idade... nem à primeira chegou... fraquinho.", mas o coração bate mais vazio no fundo do nosso peito.
Um sempre mata mais um bocadinho. Uma ruga no rosto, uma lágrima no colo. Um sempre dói. Um sempre ensina, para mais tarde amar outra vez e, muitas vezes, cometer o mesmo erro.
Um sempre é assim, leva promessas, mas deixa a mágoa. Para sempre.

Poucos sempres para vocês.

sábado, 14 de setembro de 2013

"Escreve-se porque se sente a necessidade de escrever, ou porque se espera que alguém nos ouvirá, ou porque a escrita consertará algo que se partiu dentro de nós, ou porque vai dar novamente vida a algo..."
in Vinho Mágico, Joanne Harris

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A luta

Às vezes penso que o passado finalmente me largou, ou pelo menos algumas das partes que mais me doeram. Depois percebo que não é bem esse o mecanismo. Esquecer não é a palavra, nem o verbo, nem a acção. 
Tirando as partes que sempre nos acompanham, que são tão presentes que é impossível não encontrar um sinal nem que seja na roda de um carro, há coisas que vão... ou assim pensava eu. 
Esquecer não é a resposta. Simplesmente envolvemos a memória com uma nuvem e ela esconde-se no nosso céu, mas basta passar os olhos por um diário antigo, por um texto, uma conversa, uma palavra, uma fotografia, uma mensagem, uns olhos mais profundos, uma música e sentimos aquilo que pensávamos já ter ido embora e tudo chove sobre nós. Na verdade, nada vai embora, tudo fica. A assombrar, a relembrar, a ensinar, não sei, depende da perspectiva. 
Tal como quando aprendemos a ler, é impossível olhar para um conjunto de letras sem decifrar a sua mensagem, eu acho que é impossível sentirmos a nossa vida sem aplicar os ensinamentos que retivemos da dor. 
As coisas permanecem, não te iludas. Se tu amaste a sério, eu prometo que ainda amas. E vais amar. Mas não quero que olhes para isso como uma coisa má, por mais que te doa. Tu cresceste, isto faz parte de ti, fez de ti quem és. És forte agora, e os amores diferem de pessoa para pessoa.
E insistes em pensar, tal como eu, "eu só quero que isto me largue, eu amei demais a pessoa errada, deixa-me amar a pessoa certa, larga-me, por favor", mas ambos sabemos que isso é impossível. Vais ficar sempre com isto na alma. Podes passar uns tempos muito bem, mas vai haver um dia de nevoeiro e tu vais saber que as tuas nuvens desceram. Vives uns bocadinhos no passado, choras mares que já nadaste e às vezes pensas que nunca na tua vida vais ultrapassar isto. E não vais. Mas há sempre um barco salva-vidas que se arrisca a salvar-te. Vives feliz até vir uma outra tempestade e tu achas que é melhor atirares-te ao mar, e aí virá o barco salva-vidas outra vez. Umas vezes até vais saber nadar até ao cais e vais orgulhar-te disso. 
E é assim a vida, porque é que escondes a cara ? Vive o que podes no barco, mas não tenhas medo do mar, nem do céu, eles irão sempre ditar a tua viagem. 
Esquecer nunca foi a palavra, mas lutar há-de ser sempre uma boa solução.

(Desculpem-me este devaneio de adolescente sofredora nos seus florescentes 16 anos... mas faz parte. Pedro F, obrigada, tu sabes)

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Um futuro (pouco) arquitectónico

O problema de não ser adulto e sufocar com a preocupação das contas no fim do mês e da comida no prato dos meus filhos, é ser adolescente e sufocar com o meu próprio futuro e com a preocupação de escolher um curso e, mais tarde, um trabalho, que me permita sequer ter filhos.
Sou, sem dúvida alguma, sortuda no meio desta crise que assalta (rapta?) o nosso país. Pergunto-me é por quanto tempo... De tudo o que a maldita tem roubado, espero que não me roube os sonhos. Ou melhor, a realização deles.
A minha aposta em arquitectura é forte desde os nove anos. Cinco, se contarmos com os primórdios de plantas que fazia no paint, sem saber muito bem o que era aquilo... não é que agora saiba! Há seis anos que respondia com muitas certezas à clássica pergunta "O que é que queres ser quando fores grande?"; mas a ladainha mudou: de há um ano para cá, a minha resposta passou a dividir-se em duas fases "Eu quero arquitectura, mas.... estou a apostar numa matemática qualquer". Claro que sem o desdém com que isto soa: eu adoro matemática. Direccionei a minha vida toda para que chegasse a arquitectura com várias noções, do mesmo modo que tentei abrir diferentes caminhos, com... a matemática. Esta sempre foi um porto seguro na minha vida académica e espero que assim continue.
Várias são as pessoas a dar opinião sobre o meu futuro, tantas, que me baralham: "Segue sempre o teu sonho!", "Arquitectura não é uma boa aposta", "Faz o que gostas", "Logo decides, tens tanto tempo", "Vai para fora", "Se calhar quando acabares o curso as coisas tenham mudado e possas exercer", "Usa o dinheiro do curso para viajar pelo Mundo", "A vida lá fora é terrível, faz o impossível, e escolhe o que gostas para exerceres cá em Portugal!",  "Matemática também não tem trabalho", "Arquitectura é tão versátil... podes ser professora e tudo!" e, ainda pior, "Vai para Angola".
Começo a juntar coragem (e não só) para ir para fora realizar sonhos daqui. O estirador do meu irmão espera por mim na arrecadação, há tanto, tanto tempo e as minhas próprias expectativas continuam cá dentro, tal como as de toda a gente e eu só penso o quanto o meu futuro me assusta, tal como o facto de não saber o que fazer agora para chegar lá mais segura.
E arquitectura sempre pronta a quebrar-me o coração.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Tiago Bettencourt

Queria partilhar com quem quer que por aqui ande o meu amor pelo Tiago Bettencourt.
Gostava até de explicá-lo, mas não consigo.
Talvez seja a sua doce voz, ou a maneira como sabe explicar-me nos seus poemas; talvez o ritmo, talvez a calma, não sei.
O Tiago acerta, acerta sempre. O Tiago deixa tantas frases soltas por aqui na minha alma, inacabadas, tantas reticências, mas eu sei completá-las, sei percebê-las, sei senti-las.
O Tiago salva-me de tantas, quase todas, as tempestades. Afasta temporais e furacões com um sopro... talvez seja a sua voz doce.
O Tiago não sabe, mas o Tiago lê-me. E eu um dia gostava que o Tiago soubesse que ele é a folha crocante deitada no meu passeio, é o meu sol depois do nevoeiro. É um livro quente no meu jardim, é o rio no miradouro. Talvez seja a maneira como sabe explicar-me nos seus poemas.
O Tiago é tão grande, apesar de pequenino no seu cabelo escuro e desgrenhado e na sua barba espessa. E eu gosto tanto da grandeza do Tiago, dos bichos dele, e dos medos dele e dos amores.
Às vezes já acho que a esperança é uma coisa muito cara na vida, por isso evito-a, mas, a que eu tenho, deposito-a no Tiago e nos seus salvamentos da minha (c)alma e nas curas dos meus (des)amores.
Gostava de explicar, mas faltam-me as palavras, por isso deixo-vos a voz doce e um poema do Tiago:


O Tiago é o meu caminho de voltar.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Hermanos

Passam um, dois, três, quatro anos e eu amo-os.
Passam mil, milhões, infinitas lágrimas e eu amo-os. Mares de saudades, mas eu sei que nos alimenta um oceano de amor.
A pergunta inevitável que resulta da distância tão constante é: porquê? A vida assume sempre as culpas e resta-me o silêncio.
Mas eu conheço-os. Passem os milénios que passarem, sei o toque macio das mãos deles nas minhas e o cheiro que não muda. Sei o calor dos abraços e a felicidade só de olhá-los, só de os sentir presentes.
E as surpresas, como arranjam sempre maneira de vir numa altura inesperada e de me pôr a chorar de alegria.
Desde que eles foram embora que a minha vida deixou de ser a mesma, os domingos viveram-se então monótonos, os individuais encheram apenas parcialmente a mesa, em vez da toalha que indicava que a casa estaria cheia. Mesmo com o esforço da minha mãe para que ao menos os petiscos fossem os mesmos, comer os seus pratos elaborados na quase-solidão dos quatro não era mesma coisa.
Desde que foram embora, e das poucas vezes que os meus irmãos voltaram numa breve visita, para partir de novo, eu chorei. E uma coisa é certa: seja a despedida por uma quantidade de anos indefinida ou por uns breves meses, eu chorarei sempre. Porque levam sempre o bocadinho tão grande de mim que neles carregam, deixando-me um vazio grande no sítio onde era suposto estar o meu coração e um nó na garganta.
O que me importa é que estejam felizes, mas às vezes é inevitável não implorar a quem quer que me ouça que a felicidade deles pudesse morar ao lado da minha.
Passaram agora um, dois, três anos desde a última vez e eu amo-os. E não haverá um dia na minha vida que isso mude.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

«Não se pode morar nos olhos de um gato»

Memórias dispersas em papel reciclado, diz-me tu a realidade, conta-me o passado.
O mundo esqueceu a vida e a vida esqueceu o mundo, quem me dera que connosco fosse tão fácil quanto isso.
O futuro pesa-me nos ombros enquanto carrego o presente nos braços, rogando a qualquer deus só um bocadinho mais de força.
Só quero que saibas que sem ti, o destino é tão monótono quanto um filme mudo, o tempo respira-se pesado no escuro da casa que já foi o teu lar. Amar outrem parece-me tão impossível quanto desamar-te a ti e espero que percebas que este ciclo é mais infinito que aquele que mantém o sangue a correr-me nas veias.
Até esse queria que parasse, por vezes, quando me apercebo pela milionésima vez num único minuto, que nunca a vida vai poder trazer-te de volta. Às vezes penso, estupidamente, que se a morte é o único caminho até ti, então eu sigo-o com as minhas próprias pernas, rastejo, se for preciso. Mas tu disseste-me para ser forte, para ser independente. Até me rio contigo, como se eu pudesse ser totalmente independente... Como se tu não me tivesses prendido nesses olhos, para a eternidade e todo azul que a constrói. Como se eu pudesse esquecer-me de ti e todo o amor com que me enlaçaste as mãos, os pés, a alma, a mente, para nunca e em vida alguma poder viver sozinha. Esse amor que me aquece uns dias e me gela os pulmões noutro, que me impede de respirar, que me transborda pelos olhos... e os teus olhos. Como se eu alguma vez pudesse viver um segundo da minha vida sem pensar nesses olhos, navegar neles, tão cravados na minha pele depois de tanto me olharem,  tão cravados na minha mente, depois de tanto os amar.
«Não se pode morar nos olhos de um gato», disse-o bem. Agora que me tiraram o meu lar, eu passeio cega por uma casa escura, onde o ar se respira tão pesado como qualquer lugar que não tenha a tua luz.

Conta-me

E hoje, diz-me tu, quem fomos? Conta-me o que amámos.
E hoje, diz-me tu, quem somos? Conta-me em quem nos tornámos.
E hoje, diz-me tu, quem seremos? Conta-me se alguma vez realmente existimos.
É que foi numa sala como esta em que nascemos. É que será  longe daqui que morreremos.
E um dia disseste-me que não existem fantasmas, mas eu sou assombrada pelo que nesse dia mais tememos.
Está escuro. Está frio. Chove.
Não há futuro, o passado morreu. O presente ilude. Tu matas. Eu morro. Mas ainda respiro.
Diz-me tu: quem és?
Conta-me quem sou.