sábado, 17 de janeiro de 2015

Je suis tout le monde.

   Não acredito em deus. Nem um.
   Para lá da cética, é a lógica... "Olá, sou perfeito mas mato pessoas", qual é o sentido?
   Dói-me pensar que alguém dedica a vida a uma figura tão hipócrita ao ponto de ordenar "ama o próximo e mata quem não diz o mesmo".
   Esta é a ideia que os que acreditam passam de deus. Porque a minha definição de deus, tão escassa quanto a minha falta de crença a deixa, diz-me que um deus tem de ser bom e amar a vida e a felicidade de todos em união. É tanto assim que às vezes gostava de acreditar nele.
   Para mim, um deus acredita em si mesmo ao ponto de permitir a existência de outras crenças, um deus não diz "matem quem não acredita em mim", um deus não diz "matem quem sente amor", nem "matem quem é livre", nem "calem aquela boca". Sobretudo, um deus não diz "matem os inocentes".
   Se vocês têm um coração tão pequenino quanto a noz que têm na cabeça e acham que ser-se humano é isto, então admitam e não ponham as culpas em deus. Se existisse, deus não faria isto. Não existindo, deus não faz isto de certeza.
   Debato-me agora se a minha consciência ateia consegue perdoar. Não. E a minha consciência ateia não conseguirá nunca esquecer todo o mal que fizeram ao mundo. Ao mundo inteiro. No dia 7 de janeiro de 2015 e em todos os outros dias em que foi posto um único batimento cardíaco em causa.
   A minha descrença em deus permite-me até odiar-vos. A minha consciência ateia é tão eficaz no seu ódio que nunca acabaria com as vossas vidas da mesma maneira que vocês acabaram com tantas.
   Houve um momento em que não senti mais do que a apatia que a tristeza imensa me deu como anestesia. A tristeza que me trouxeram a mim e ao mundo, no dia 7 de janeiro de 2015 e em todos os dias em que violam qualquer direito de uma pessoa inocente.
   Mas hoje, hoje tenho uma vontade imensa de lutar.
   Je suis Charlie. Je suis tout le monde.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Nós Artistas

   Proclamamos independências mentais em domingos chuvosos, porque na nossa profissão o ofício não tem ossos.
   Vivemos da criação de nós e do que é nosso, criamos para vós e para o que é vosso, numa única articulação.
   Golpeadores de estado, expressamos o espírito, carregamos a arte e amamos o empírico.
   Pintamos as fachadas, abrimos as entradas - tudo o que é porta, cada uma das janelas, trazem um bocadinho do mundo que dominámos em caravelas e eu pergunto: depois disso, o que é impossível?
   Refutamos rotinas, saltamos ravinas, porque a vida se faz de vivências.
   Procuramos questões, a única detentora das razões é a nossa inspiração.
   Ignoramos a obediência, muitas vezes a decadência é a nossa escada para a produção.
   Denunciamos a deficiência, só ela causa dependência da mais pobre nação.
   Somos isolados porém, em todos os lados, agarramos uma mão.
   Somos do mundo, não de ninguém, só Vieira foi de Arpad, o amor encaixou-os bem.
   Somos independentes, somos artistas em prol de uma mente aberta sob chuva ou sobre o sol.